O Taoismo faz parte da grande tradição filosófica da China, juntamente com o Confucionismo e o Budismo.
Marcou profundamente o pensamento chinês ao longo dos séculos e teve uma influência determinante na génese e no posterior desenvolvimento de muitas das vertentes da cultura chinesa, incluindo a da Medicina Tradicional Chinesa (MTC).
Partindo do pressuposto de que a compreensão dos fundamentos básicos desta corrente filosófica constitui um requisito e uma ajuda importante para a compreensão aprofundada da própria MTC, a filosofia taoista tem sido por essa razão, um tema recorrente em muitos dos nossos workshops.
Antecipando a realização de mais dois workshops dedicados a este tema no próximo mês de Fevereiro, convidámos António Campos (ver link:
https://www.panda.pt/client/skins/terapeutas.php?cat=24&workshop=7794), autor da tradução para português da obra fundamental do Taoismo - Tao Te King de Lao Tse (editora Relógio d´Água), para uma entrevista em jeito de conversa em torno de alguns conceitos da filosofia taoista, focando na aplicabilidade que esta pode ter nas nossas vidas.
CH: Após ter lido várias traduções (para inglês) do Tao Te Ching, foi com surpresa que descobri que uma das melhores e mais rigorosas traduções que encontrei até hoje é da autoria de um português!...
Como é que surgiu esta ideia de traduzir uma obra tão complexa?
AC: Tomei conhecimento deste livro a primeira vez em 1976. Há 43 anos!... Foi um livro que me interessou logo e que me acompanhou durante muitos anos. Tinha-o sempre na cabeceira da minha cama e lia sempre um versículo dele todos os dias, antes de me deitar. E quando o lia, pensava sempre: Como é que eu poderia aplicar este conhecimento na prática, na minha vida?
CH: É interessante constatar que percebeu cedo que os ensinamentos desta obra poderiam ter aplicação prática no seu dia-a-dia. Em boa verdade, grande parte do pragmatismo chinês - sempre presente na forma como lida com os vários aspectos da vida - deriva precisamente desta filosofia, embora muitos no Ocidente a olhem ainda com alguma conotação esotérica ou mística…
AC: Sim. De facto, fui fazendo experiências aos poucos, procurando agir de uma maneira diferente do que eu normalmente agiria nas mais variadas situações da vida. E a certa altura apercebi-me que aquele livro tinha influenciado muito a minha vida, a minha maneira de agir, no trabalho, na relação com as outras pessoas, nas relações sentimentais e mesmo no modo de ser um chefe.
CH: Como assim?
AC: O Tao Te King diz por exemplo que, “…o homem sábio segue atrás das pessoas que ensina, e não à frente…”. Quando fui director no LNETI, tentava agir desse modo, procurando ficar atrás e não me pôr à frente dos meus colaboradores e colegas. E por adoptar esta atitude, eram eles que me acabavam por me empurrar para a frente.
Comecei por isso a notar que realmente há maneiras diferentes e possíveis de viver. É, portanto, uma visão alternativa (à ocidental), e interessei-me por isso.
CH: Significa com isso que estudou anos a fio e testou a aplicabilidade desta forma diferente de pensar e de agir, a ponto de a adoptar na sua maneira de ver o mundo. Mas daí até querer traduzir esta obra de Lao Tse, vai ainda um passo grande, até porque já me disse que não lê nem fala chinês…
AC: Sim, de facto não leio chinês, mas quando vivi em Macau na década de noventa, comecei a interessar-me imenso pelos caracteres. Tinha na minha mesa de cabeceira um dicionário de chinês-português e ia esrtudando alguns caracteres todos os dias. Tinha por hábito abrir o dicionário sem nenhuma ordem especial e ir tentando descobrir a lógica por detrás desses caracteres. Fui percebendo por exemplo que se um determinado caracter tem o radical madeira, isto significa que se trata de algo relacionado com um ramo, uma árvore, uma floresta, etc.
CH: Um trabalho hérculeo que lhe exigiu seguramente muito trabalho e paciência de chinês!...
Mas para além destas dificuldades técnicas a nível dos caracteres, há ainda a dificuldade em decifrar e traduzir os conceitos fundamentais do Taoismo que estão como que escondidos por trás de uma linguagem metafórica, uma característica comum a muitos dos clássicos da literatura chinesa.
Cito o exemplo do conceito de Yin e Yang, que embora faça parte de toda a fundamentação de base subjacente à Medicina Chinesa, não é algo que a generalidade das pessoas percebam a fundo.
AC: É tanto assim que mesmo esse conceito de Yin e Yang só é referido num dos capítulos do Tao Te King. E em Chuang Tse (outro autor de referência do pensamento taoista), este conceito quase só é referido quando se procura retratar alguma situação de desequilíbrio entre o Yin e o Yang. Não se fala dele muito explicitamente.
Mas, de facto, para um leitor perceber as ideias do Tao Te King, tem mesmo de perceber os princípios fundamentais. Daí eu ter feito um capítulo no livro especificamente para explicar cada um dos principais conceitos do Taoismo, precisamente para que as pessoas possam perceber o que está mais por detrás do texto de Lao Tse.
CH: Entretanto lançou em 2018 uma nova tradução da obra de Chuang Tse, igualmente tida como uma referência do pensamento taoista.
Acha que Chuang Tse evoluiu a partir do pensamento de Lao Tse?
AC: Talvez, mas não tenho bem a certeza…
Os conceitos que estão por detrás do Tao Te King são consideravelmente diferentes dos que estão por detrás da obra de Chuang Tse. Até mesmo o próprio conceito de Tao, que para Chuang Tse é nitidamente a transformação, ou melhor, o processo natural de transformação, enquanto que no Tao Te King, é um conceito associado à origem de tudo, que é o nada, que é o vazio.